Fundador da TUCCA, Sidnei Epelman celebra êxito da causa social e fala sobre perseverança: ‘O que adianta curar meia dúzia de pacientes? A gente tem que curar a dúzia toda e muito mais’
Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer, na zona leste de São Paulo, atende anualmente cerca de 500 pessoas com olhar integral para toda a família
Reportagem: Marcella Franco
Imagens: Divulgação TUCCA
Da estação Itaquera do metrô até o Hospital Santa Marcelina são 39 minutos de caminhada. A distância de quase três quilômetros, que a princípio parece simples, pode virar um desafio para familiares que acompanham crianças em tratamento contra o câncer. O oncologista Sidnei Epelman sabe disso. E, porque quer garantir a efetividade absoluta da terapia que oferece no ambulatório da TUCCA, instalado dentro do hospital, o diretor da organização disponibiliza vans que buscam os pacientes e seus responsáveis direto no metrô.
TUCCA é a sigla pela qual a Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer é mais conhecida desde a sua criação, em 1998. Ela surgiu de uma ideia de Sidnei e de sua mulher, a psicanalista Claudia Epelman (1959 - 2020), junto de médicos, pais de pacientes e representantes da sociedade civil que queriam elevar as taxas de cura e melhorar a qualidade de vida de crianças e jovens carentes com câncer, que não têm condições de pagar por um tratamento adequado. Por ano, passam por lá de 450 a 500 pacientes.

Do transporte aos remédios, tudo é gratuito na TUCCA. A escolha pela parceria com o Santa Marcelina Saúde, uma referência na zona leste de São Paulo, foi estratégica – até então, todos os centros especializados em oncologia pediátrica estavam localizados nas outras regiões, o que dificultava a vida de quem mora em uma das áreas mais carentes e de maior densidade demográfica da cidade.
Para garantir a sustentabilidade da associação, foram criados projetos em variadas áreas, como Chef pela Cura, Feijucca pela Cura, Bazar pela Cura e Corrida pela Cura. O Música pela Cura, que agora completa 25 anos de existência com quase 300 concertos, é sem dúvida o que conquistou mais destaque. Em 2024, a iniciativa recebeu o Prêmio Governador do Estado na categoria Instituição Cultural.
Natural de Sorocaba, no interior paulista, Sidnei Epelman tem 67 anos, e desde os 23 trabalha com a oncologia pediátrica – antes da TUCCA, atendeu em uma clínica própria e em hospitais como Albert Einstein e A.C.Camargo. Nos anos 1990, atuou como visitante do National Cancer Institute (EUA).
“Lá em Washington eu tive pela primeira vez esse olhar de equidade. Entendi que não adianta você ter o conhecimento e não dar o acesso à população”, afirma. “O que adianta curar meia dúzia de pacientes? Adiantar, adianta, mas a gente tem que curar a dúzia toda e muito mais”. Leia abaixo a entrevista com o fundador da TUCCA.
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Como começou o movimento de criação da TUCCA?
Eu e a minha mulher sempre fomos muito dispostos a esse olhar maior, um olhar para o todo, que não vê a criança só pelo ponto científico, nem só pelo social. É um olhar para a cura. Queríamos famílias curadas. Seguimos trabalhando, trabalhando, mas faltava um pedaço. Aí, no meio do caminho, a gente começou a se perguntar o que fazer e nos unimos a pais de pacientes, amigos, empresários, e então fundamos a TUCCA em 1998.
Em que momento você percebeu que ia precisar ir além desse atendimento clínico para transformar a realidade dessas crianças?
Era um trabalho a quatro mãos, porque eu coloco sempre a Claudia [Epelman, psicanalista, esposa de Sidnei] na história. Não foi uma resolução só minha, virou uma coisa familiar. Mas, de repente, a gente viu que tinha que fazer mais para realmente fazer diferença. Não é minha cara fazer as coisas pela metade. Então, as portas foram se abrindo. E a TUCCA, que originalmente era uma sigla para “tumor cerebral na criança e no adolescente”, é hoje um lugar onde tratamos vários outros tipos de câncer.
Eu sempre falo para os mais jovens que quem mexe com a oncologia tem que ter uma inquietação interna. Não é que a gente faça tudo, mas você tem que realizar um movimento para ampliar o acesso, já que o conhecimento existe. Eu resolvi que tinha que ser para todo mundo, e o trabalho então vai além daquelas crianças.
A doutora Claudia chegou a ver tudo isso acontecer?
Tudo que somos hoje é reflexo do que ela acreditava. Ela viu, sim, o laboratório pronto. Tudo tem muito dentro dela até hoje. Por exemplo, a questão de os pacientes não conseguirem ir para o tratamento porque não conseguem chegar ao ambulatório. O abandono por questões sociais. A gente não discute mais isso, porque faz 15 anos que temos vans e carros que vão buscar as crianças em determinados lugares. Para nós é isso, uma coisa normal. Estamos em São Paulo, a família chega até o metrô, mas ainda tem mais chão para percorrer. Eu vou gastar R$ 100 mil para no final a criança não ir? Jamais. A gente sabe que se faltar, perde a chance da cura. Porque a chance não se perde só não dando remédio, se perde também não indo. É simples assim.
Imagino que haja uma certa dose de dor envolvida ao trabalhar com a oncologia pediátrica. E que, ainda assim, seja preciso manter a esperança. Por isso, gostaria de saber como você, na liderança desta organização, faz para engajar a sua equipe e manter o foco de todos.
Os médicos, enfermeiros e todos os envolvidos na TUCCA entendem que a única forma de você conseguir ficar engajado é sabendo que está oferecendo tudo que pode. Se você não faz isso, você se frustra. Quando não dá certo, ao menos sabemos que tudo foi feito. É diferente de quando não dá certo e faltou alguma coisa.
Percebemos que temos que ter o olhar para quem cura e pra quem não cura, para dar o melhor a ambos. No mundo, há uma tendência a olhar só para quem está bem. Você tem que olhar para as reais necessidades daquela família e da criança que está enfrentando a doença. Isso facilita o seu trabalho, porque você vai ter muito mais retorno. Indo bem ou indo mal, você vai conseguir caminhar melhor.
Você trabalha com uma equipe multidisciplinar. Quais características são importantes para conseguir ampliar assim sua área de gestão?
Eu acho que tenho a capacidade de encantar as pessoas. A Cláudia era ainda mais encantadora que eu. Mas o fato é que encantamos para apresentar essa história. Na hora em que você vai naquele ambulatório, você vê que ele é meio mágico, porque não tem ninguém chorando lá. É um lugar acolhedor. Quem vai lá sente essa energia do acolhimento. No início, era muito quase uma loucura das nossas cabeças, que a gente, no bom sentido, forçava a barra para outras pessoas apoiarem. Agora, temos um portfólio para mostrar, então ficou mais fácil. Então, em resumo, acho que tenho o poder de trazer as pessoas para causa, de encantá-las para isso. .
Eu não aceito muito “não”, então eu insisto até o ponto em que acredito que vai fazer a diferença para aquele projeto. É muito importante para sobreviver à nossa inquietação uma certa dose de obsessividade, de perfeccionismo. Eles falam que todo dia eu invento alguma coisa (risos).
Quais características um líder na sua posição precisa ter?
Eu acho que a perseverança é uma coisa importante. Também sou uma pessoa que tem muita fé. Não acho que é tudo obra de Deus, não é nesse sentido. Tem que trabalhar, não pode ter preguiça. Tem que achar que dá para fazer a diferença, mas também tem que acreditar, acreditar e acreditar.
Nessas tantas décadas na liderança, você teve que tomar decisões críticas em algum momento para fazer esse objetivo acontecer?
Acho que a pandemia foi um momento muito difícil. Não tinha música, obviamente, mas a gente conseguia sobreviver de outras formas, com doadores, empresas, pessoas físicas. E a gente sempre teve um lastro.
Você fala muito da Claudia, obviamente. Como era a liderança dela e o que você assumiu disso após sua morte?
Esse foi o grande problema da minha vida, um dos grandes. Ela faleceu na pandemia, mas não foi de Covid. A pandemia também foi dura por isso, mas também foi quando eu pude cuidar dela. Todos estávamos dentro de casa. Então, eu pude fazer isso naquele momento. Na TUCCA, permanece esse acolhimento dela em tudo, até nas cores do ambulatório.
Algumas coisas eu tive que assumir. Óbvio que tive ajuda, mas tem algumas coisas que não dava para dividir muito. Hoje, no entanto, eu tenho que dividir, até porque eu estou no processo de transição, já que estamos falando disso.
Então também estamos falando de governança, certo?
Certo. Atualmente temos uma empresa externa trabalhando conosco nessa sucessão e na governança. Para não acontecer o que eu vejo acontecer em muitos lugares onde eu trabalhei. Situações em que pessoas como eu desaparecem ou saem, e aí, de maneira abrupta, muda o foco da empresa, muda a missão. Então, eu estou em meio a esse processo. Começamos esse ano. Não sei quando vou sair, mas é para que eu possa fazer isso se eu quiser. Estamos deixando tudo estruturado. Você tem que sair corretamente. Eu posso ficar mais um pouco, claro, mas e se eu morro? Ou se eu não quero mais?
Você escolheu uma figura ou vão ser várias nessa sucessão?
São várias figuras. E tem todo o trabalho com o Conselho também.
Gostaria de falar do Música pela Cura. Por que ele se tornou o sucesso que é, a ponto de completar 25 anos?
Eu e a Claudia tínhamos muita preocupação de ficar a vida inteira pedindo dinheiro para os outros, brincávamos que as pessoas nunca mais iam convidar a gente para jantar (risos). Então, criamos um projeto. Mas, falando sério, o Música pela Cura nos deu muita visibilidade e exposição, e nos trouxe doadores.
Há várias dificuldades envolvidas, claro. Os artistas são caros, as moedas são todas internacionais, então tem as dificuldades de qualquer business. Fizemos recentemente um planejamento estratégico e a empresa contratada nos falou “Vocês têm um business próprio aqui dentro chamado ‘Música Pela Cura’. É um business e vocês têm que tratar isso como um business”. Ou seja, não é sobre “fazer um concertinho”.
Só que é importante dizer que a gente é uma produtora cultural de alto nível, mas que tem uma causa social atrelada a isso. Não é fazer o concerto pelo concerto. O concerto tem que servir a um propósito principal. É manter a nossa coerência, sabe? Claro que a cultura pela cultura é importante, eu não estou tirando isso. Mas, para nós, é fundamental a coerência de que somos um veículo para essa causa. Estamos aqui para preservar este legado e essa missão.
Como você acredita ser possível fazer o brasileiro compreender se engajar mais na cultura de doação e de voluntariado?
Olhando que a gente precisa disso, que o país é carente de muitas coisas, e olhando que tem, sim, solução, e que com pouco a gente faz muito. E sabendo que aquele que está lá é igual a gente, né? Muitas vezes o dinheiro traz um pouco de afastamento da realidade. Eu posso, hoje, dizer que, no final, a história dá certo.
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