Especialista em governança corporativa, Sandra Guerra fala sobre como o conceito está ligado à boa liderança
Jornalista com atuação focada no tema desde a década de 1990 explica as aplicações da governança e sua importância para a saúde das organizações
Reportagem: Marcella Franco
Imagens: Divulgação
Nas conversas profissionais que tinha no fim da década de 1990, Sandra Guerra abordava um tema que seus interlocutores garantiam entender do que tratava – o “corporate governance”. Naquela época, ela lembra, Guerra “explicava, explicava, explicava”, mas percebia que, na verdade, as pessoas não faziam ideia do quê ela falava exatamente.
Aqueles eram os primórdios do que se tornaria a governança corporativa, um conceito tão conhecido e estudado por Guerra que é ela uma das responsáveis por batizar a versão brasileira do termo nascido em inglês. Foi um caminho árduo até se tornar uma especialista. Formada em jornalismo na década de 1970, Guerra foi convidada a se juntar a um grupo de trabalho que focaria nessa área, e ali o amor foi à primeira vista.
Desde então, Guerra segue “explicando e explicando” a governança corporativa em diversas esferas profissionais e virou referência na área. Publicou em 2017 o livro “A Caixa-Preta da Governança: Conselhos de Administração por quem Vive Dentro Deles” (editora Best Business), atualmente na quarta edição.
Na entrevista à Fundação Butantan, feita na primeira semana de junho, a especialista falou, entre outros aspectos, sobre como a governança corporativa está intimamente ligada à boa liderança. “Para ser um bom líder, pare, respire e pense se o que você faz move você. Se não tiver essa chama, esse desejo, dificilmente você vai ser muito bem sucedido.”
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Para começar, por favor explique o que é a governança corporativa.
É um sistema para dirigir organizações, e veja que eu não estou falando a palavra “administrar”, mas sim dirigir, em um sentido mais amplo do termo. A governança corporativa é baseada, por exemplo, em princípios de transparência, de equidade, de integridade, de responsabilidade, todos eles de longo prazo.
Ela equilibra os interesses de todos os stakeholders envolvidos naquela organização. A governança é um sistema que dirige a empresa, mas não é a gestão da empresa, isso porque incorpora outros atores como o conselho, a auditoria etc, todos com propósito de criação de valor.
Na época em que a governança corporativa entrou na sua vida, se sabia muito pouco sobre o assunto. Conte um pouco de como foi sua participação na introdução do conceito no Brasil.
A gente chamava de “corporate governance” porque ainda não havia uma expressão em português. Em novembro de 1995, formamos o IBCA (Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração). Em 1999, resolvemos ampliar o escopo para que ele fosse um instituto de governança, e isso levou a uma reunião para decidirmos como ele ia se chamar. Houve então uma enorme polêmica, porque, para alguns, governance em português se referia apenas à governança dos hoteis. Eu me lembro que eu levei um [dicionário] Aurélio e mostrei que, na verdade, tinha sim uma acepção de governança que se aplica ao que estávamos falando (risos). Hoje, não se pensa em outra coisa que não “governança corporativa”.
O que pode acontecer quando falta uma boa governança corporativa?
Pode haver uma destruição gigante de valor.
E qual é a importância de uma empresa conhecer e saber aplicar a governança corporativa no seu dia a dia?
A boa governança cria valor e faz isso a partir da confiança que gera. Imagine que uma empresa tem, por exemplo, um fundador de 85 anos, e vai pedir um empréstimo. O banco sabe que esse homem é tudo na empresa, e questiona o que vai acontecer se ele não estiver mais lá. Então, ter um planejamento de sucessão e adotar práticas nesse sentido dará confiança a esse provedor de capital de que, na ausência desse fundador, a empresa continua operando. Ou, por exemplo, suponha que uma empresa tem conflitos entre acionistas. Se a empresa mostra que lida com esses conflitos de forma eficiente, ela também gera valor. Aplicar a governança corporativa é gerar valor.
Quais são os desafios para uma empresa introjetar esse conceito?
Acho que o primeiro ponto são as crenças. Se tiver a crença de que isso é burocracia, ou de que ela não vai funcionar, de que se vai gastar mais, de que a governança vai “engessar” as coisas... Com tudo isso, fica difícil de você implementar a governança corporativa. E, em geral, as empresas passam a adotar práticas de governança na dor, quando aconteceu algum problema, uma situação de destruição de valor ou algo assim.
O setor de fundações tem alguma particularidade em relação à governança corporativa ou ele opera como todos os outros setores nesse aspecto?
Ele tem particularidades. Nas fundações há um fator que é o conselho curador, que não pode ter membros remunerados. Então, não há incentivo econômico, o conselheiro só está lá pela causa, sendo que um conselho pode demandar bastante dedicação. Então, muitas vezes é um desafio ter essas pessoas envolvidas o suficiente na medida em que elas não são remuneradas por isso. Além disso, a fundação não tem acionistas, mas tem o curador de fundações, para quem é preciso mostrar que se está aplicando os recursos no objeto social da fundação, e que vem fazendo isso de forma correta.
De que maneira o conceito da governança se relaciona com o conceito da liderança?
Eles têm total relação, porque a liderança da empresa, seja ela no campo executivo, seja ela no campo da governança de um conselho, tem que estar orientada para os princípios da boa governança. Então, você pode ter um ótimo líder que motiva a equipe, porém, se ele não está orientado por esses princípios, possivelmente a criação de valor não será duradoura. Ou quando o líder não adota os princípios da equidade e da transparência, por exemplo. Possivelmente essa liderança vai ser questionada em algum momento por não ter práticas que sejam completamente ligadas à integridade, por não ter responsabilidade com relação à empresa e aos seus stakeholders, e assim por diante.
Além de observar a boa governança, quais são as outras características de um bom líder?
Nos dias de hoje, um bom líder se destaca muito pelas suas habilidades socioemocionais, as chamadas soft skills. A escuta ativa, a capacidade de incorporar a visão dos outros no processo de decisão, ter uma atitude empática em relação às demais pessoas da empresa. Outro fator diferencial é ser alguém inspirador por sua integridade. Por fim, é preciso reunir as competências necessárias ao papel em que se está atuando no momento, e ter uma atitude de aprendizado contínuo, inclusive o aprendizado a partir da interação com toda a equipe.
Você é referência nesse tema da governança. Qual é a responsabilidade de estar em um lugar de liderança e de farol em relação a um tópico específico?
Ah, é grande. Toda vez em que eu recebo um prêmio, ou que sou cumprimentada por alguma iniciativa, claro que fico feliz, mas eu também sinto crescer o peso da responsabilidade. Cada uma das minhas escolhas no dia a dia, desde as mais simples até as complexas, tem que estar em harmonia com tudo que eu prego de práticas da boa governança.
O que você recomenda para os jovens que estão no começo de carreira e querem ser bons líderes?
O que se aplica para a governança se aplica para as outras competências. Acho que é muito importante se assegurar de que você tem as competências certas, desde a graduação, a pós-graduação, alguns cursos de desenvolvimento. Também sugiro buscar ocupar posições onde você vá começar a ter certas vivências em linha com o que se almeja lá para o futuro. E acho que você deve selecionar bons mentores ao longo da sua carreira para poder trocar ideias e para ter ajuda no direcionamento da carreira.
Para ser um bom líder, pare, respire e pense se o que você faz move você. Você acorda de manhã louco para sair da cama e fazer as coisas que tem para fazer? Se não tiver essa chama, esse desejo, dificilmente você vai ser muito bem sucedido.
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