Ex-CEO da Tiffany e da Lacoste, Rachel Maia inaugura série de entrevistas no site da Fundação Butantan

Nova seção 'DNA de Líder' apresenta conversas com personalidades que tenham grandes episódios de liderança e gestão em sua carreira 

Reportagem: Marcella Franco
Imagens: Divulgação

Rachel Maia acaba de sair de uma reunião. Chega à entrevista falante, animada, comendo uma tigela de salada de frutas – pede desculpas e explica que aquele é seu café da manhã, quando já passa das 10h. A correria não é um problema, pelo contrário: nenhuma imagem passa melhor o recado de que aquela é uma mulher de negócios importante, ocupada e apaixonada pela carreira que construiu. 

Atualmente, Rachel toca a RM Cia 360, uma empresa focada em impacto social e ambiental, e também é presidente do conselho de administração do Pacto Global Brasil. Foi ela a primeira mulher negra a assumir um cargo de CEO no Brasil, e nesta posição trabalhou em empresas como Lacoste, Pandora e Tiffany & Co.

Em 2018, fundou o Instituto Capacita-me, dedicado à educação e à empregabilidade para pessoas maiores de 18 anos em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Também ocupa cadeiras como conselheira na Vale, no grupo Mulheres do Brasil, na AlmaViva e no MyTS. 

Rachel cresceu na periferia paulista, na zona sul. Estudou em uma escola pública até chegar ao ensino médio, quando pagou pelas mensalidades do colégio técnico de contabilidade com o salário que conseguiu no primeiro estágio. Cursou ciências contábeis e juntou dinheiro para estudar inglês no Canadá ao longo de um ano e meio, porque entende que dominar outro idioma é decisivo na construção de um bom currículo.

A empresária inaugura a nova seção "DNA de Líder" no site da Fundação Butantan, com entrevistas com personalidades que tragam em sua trajetória um reconhecido histórico de liderança e gestão. A conversa com Rachel aconteceu no início de abril de 2025. 

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Sua trajetória profissional é marcada por grandes desafios e conquistas. Qual foi o momento mais transformador da sua carreira?

Quando estudei enquanto trabalhava. Tive que fazer isso para conseguir movimentos de inovação na carreira. E isso não é fácil para uma mulher que é independente, mãe solo etc. Estudar e trabalhar e dar conta do recado é desafiador. Isso aconteceu em vários momentos, porque ao longo das transições eu percebia que tinha que inovar. E inovar demanda estudar tanto nos livros quanto com pessoas que têm mais experiência que eu. Também é preciso conhecer e entender as gerações que estão vindo, e o que é preciso fazer para entregar para elas. 

Você liderou grandes equipes em empresas globais. O que faz um bom gestor na sua visão?

O humano é uma eterna transformação. Com isso, o bom gestor do passado não cabe hoje. O bom gestor do passado gritava, batia na mesa, fazia e acontecia, e entregava resultado. O gestor de hoje traz a empatia como parte da liderança. 

Quais outras características um líder deve ter?

Além da empatia, capacitação. Vivemos em uma sociedade excludente, especialmente para as mulheres. Então, as oportunidades podem até aparecer, mas, como vivemos nesse contexto, tudo que um homem sabe eu, mulher, vou ter que saber em dobro – e, se eu for uma mulher preta, vou ter que saber o triplo. Ter essa consciência é muito importante. 

Você mencionou em entrevistas que o mundo corporativo foi desafiador para mulheres pretas. O que você viveu de mais complicado nesse sentido, e o que aprendeu com isso? 

Todas as vezes que quiseram dizer que eu não precisava mais me sentir uma mulher preta  sempre foram doloridas para mim. E viver isso inúmeras vezes não foi legal. Mas eu aprendi a dar o recado de forma a continuar parte do processo. 

Você já enfrentou momentos em que sentiu que precisaria provar ainda mais o seu valor apenas por ser mulher?

Esse ponto continua sendo crítico para as mulheres. Foi crítico, foi dolorido para mim, mas isso me ensinou que há pessoas a quem vale a pena instigar pela transformação, e que há outras que você percebe que não valem a pena. 

No geral, como as mulheres podem impor respeito no mundo corporativo?

Com conhecimento, com autoestima, com muita humildade. O empoderamento não pode trazer arrogância, pelo contrário, ele tem que te ensinar a ser empática. 

Como líderes podem gerar impacto positivo na sociedade, além dos muros da corporação onde atuam?

Eu tenho visto algumas questões especiais. Por exemplo, jornais de grande relevância trazendo na capa mulheres empoderadas todos os dias. E isso sem precisar dizer que ela é mulher, sem precisar ser dito nada sobre gênero. Então, costumo dizer que não é preciso ficar gritando que está fazendo inclusão, apenas faça. Destrua os vieses excludentes e busque letramento de forma empática. Para isso, é necessário ter humildade, porque muitas vezes a gente acha que já sabe tudo, que não precisa de mais nada, e isso complica. Ter essa sensibilidade é muito bacana. 

Dá para conciliar sonhos e propósito com uma carreira de liderança?

Olha, se dá para conciliar ou não eu não sei. Eu só sei que tive que abrir mão de algumas coisas em detrimento de outras. Por exemplo, só tive 20 dias de licença maternidade. Era meu sonho? Claro que não, mas fiz o que foi possível. Nem sempre vai ser fácil, mas o “ser fácil” é o que estou procurando? Não, eu estou procurando realizar meu sonho. Então, preciso saber que não vai ser fácil.

Qual seu plano de carreira nesse momento?

É continuar sendo conselheira, impulsionar a RM Company e operar com a África. Acabei de voltar de lá, e tem tanta oportunidade entre Brasil e África! 

Que legado você espera deixar para as próximas gerações de líderes?

Se eu deixar um legado para as mulheres, eu já estou feliz. Quero falar para elas que a gente ainda tem uma longa batalha pela frente, mas que a gente tem muita capacidade e talento. E ainda temos instinto maternal! Somos essas mulheres que criam, ao mesmo tempo cuidam, são mães, são filhas, executivas, empresárias, e ainda no final do dia param para tomar um drinque. A gente nasceu para dar certo, não tem como dar errado. Só precisamos parar de nos sabotar. 

 

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